Tales Trindade (Diário)
A paisagem que um dia foi o sustento e o orgulho da família Negrini, na Estrada da Invernadinha, distrito de Arroio Grande, hoje se assemelha a um cenário de guerra. Onde o gado e as ovelhas pastavam em planícies verdes, agora se abre uma cratera de pedras e troncos com quase um quilômetro de extensão. É como se um tsunami tivesse redesenhado a geografia do local, deixando para trás um rastro de destruição que o tempo e as chuvas recorrentes, como as de maio de 2024 e as do último mês de junho, se recusam a deixar cicatrizar.
No interior de Santa Maria, a um ano e dois meses da maior tragédia climática da história do Estado, moradores ainda convivem com as feridas abertas. São estradas intransitáveis, pontes que voltam a cair e um sentimento de abandono que a cada nova chuva se aprofunda, transformando a rotina em uma luta diária pela sobrevivência e pelo direito de ir e vir.
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Mudança na paisagem
Na propriedade de Paulo Negrini, que vive há mais de 50 anos na estrada da Invernadinha, a memória afetiva e produtiva foi levada pela correnteza. O pequeno rio que cortava a fazenda virou um leito seco e gigante. Uma casa mais afastada, usada para descanso, desapareceu. O campo que alimentava os animais foi engolido e o que restou, ficou coberto por areia.
– Tivemos que vender ovelhas e o gado após ver seu campo desaparecer. Tivemos que renovar tudo o que destruiu e tentar seguir de novo. O rio levou a terra. Ele vai levando e vai vir para o lado das casas – afirma.
O acesso principal à localidade, via ERS-511, também foi severamente danificado, e uma ponte reconstruída após 2024 cedeu novamente. Para os moradores, o trajeto agora envolve um desvio por uma estrada em péssimas condições. Com a falta de pasto, a alimentação dos poucos animais que restaram depende de ração comprada. "Tem que comprar a comida pronta. Não tem o que fazer, os bichos precisam comer, né?", comenta um vizinho.
A luta diária contra o isolamento

Se na Invernadinha o problema é a ponte que caiu, na Estrada de Arroio Lobato a angústia reside na ausência delas. A travessia do arroio depende de passagens molhadas – estruturas baixas com galerias – que se tornam inutilizadas a cada chuva.
– Qualquer chuvinha de 20 mm, 30 mm aí, o rio já sobe – explica o agropecuarista Júlio César Correa Carvalho, 51 anos.
Morador da região há 23 anos, ele relata a rotina de improvisos. Um de seus colaboradores precisa deixar o carro antes da passagem e ser buscado de trator ou fazer um longo desvio a pé pelo mato.

– Já estamos há um ano e dois meses nessa situação. A prefeitura vem aqui, dá uma amenizada, a gente reconhece. Mas toda vez que chove a gente fica até uma semana sem conseguir trabalhar. A gente que produz não aguenta esperar tanto tempo. Todos os dias temos conta para pagar – desabafa Júlio.
Ele conta que existe um projeto para uma ponte, mas que ainda não foi feito a licitação. A poucos quilômetros dali, a cena resume o sentimento local. O agricultor Aldonir José Capeleto, 62 anos, caminha pela estrada de barro carregando uma imagem de Nossa Senhora Medianeira e outra da Mãe Peregrina de Schoenstatt. É o único jeito de levar a santa para a casa do vizinho, como é comum na localidade toda semana.

– Tem dias que não dá para ir de carro. Ou é a pé ou não tem como. E dependendo do lugar, nem a pé dá pra sair – relata Aldonir.
A causa, para ele, é clara: "É que os caras fazem os troços malfeito mesmo, não adianta". O medo é constante entre os vizinhos. "Estão todos apavorados", afirma, citando o caso de Paulo Caligari, que também não consegue sair de sua propriedade em dias de subida o rio.
O que diz a prefeitura
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Santa Maria, por meio da Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade, posicionou-se sobre os problemas de infraestrutura no distrito. Conforme o Executivo, os planos de trabalho para a reconstrução de todas as 19 pontes requisitadas ao governo federal já foram aprovados pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC).
No entanto, a prefeitura informa que, com a atualização dos orçamentos neste ano, a União precisa complementar os recursos para que as obras possam ser executadas. Atualmente, o município aguarda uma resposta da SEDEC sobre essa complementação. A expectativa é que, com a liberação do empenho federal, seja possível ter uma previsão para o lançamento das licitações até agosto.
Uma vez que os contratos com as empresas vencedoras sejam assinados, a previsão para a conclusão de todas as pontes é de até dois anos, devido à complexidade de cada obra.
Sobre a limpeza e o desassoreamento dos rios, motivo de grande preocupação dos moradores que temem novos represamentos, a prefeitura afirma que o serviço nunca parou e tem sido intensificado desde as fortes chuvas de maio de 2024. O governo municipal garante que as equipes já limparam os locais onde havia interferências, como galhos e restos de árvores. Contudo, ressalta que quando os entulhos se encontram em área privada, a responsabilidade pela limpeza é do proprietário do terreno.